Escrito por João Cinda (pseudónimo)
Aqui vai um pensamento engraçado: levantar de manhã, beber um café escaldado, vestir a blusa brilhante, deslizar pela mini-saia vermelha, escorregar os pés para os saltos altos pretos, pintar as sobrancelhas de rosa, lavar os dentes, bochechar, cuspir, bochechar, cuspir. Limpar os lábios com as costas da mão. Pintá-los com baton vermelho. Mirar o espelho. Em silêncio. Tentar esticar as rugas num sorriso e imediatamente deixá-lo cair.
Sair de casa. Proteger os olhos do Sol da tarde com uns óculos escuros. Arquear as pernas a cada passo dado. Encolher a barriga sempre que um carro passa. Esperar o anoitecer. Encostar-se num velho poste de iluminação e olhar para o relógio. Esperar o homem da roupa desportiva. Vê-lo a chegar. Dizer ‘demoraste, querido’. Receber a dose de salvação e ir curti-la para o velho beco abandonado.
Abrir os olhos, ajeitar a roupa, testar o hálito contra a mão, ir para o passeio sem a presença incómoda da luz do dia. Avaliar os modelos de carro e dar-lhes um preço de serviço. Para um Honda Civic, habitualmente nunca passam dos 20 euros. Mercedes, por menos de 50 não. Toyotas brancos nunca mais; polícias são os piores.
Um Renault 5. Estes, se derem 10 euros já é muito.
Fazer a noite. Pegar no dinheiro e contá-lo. 70 euros.
Ir para casa, lavar a cara. Deitar na cama. Dormir.
Originalmente publicada na fendamel em 13/05/2011